Da BBC Brasil
Eleitores de Londres vão às urnas nesta quinta-feira votar para prefeito em meio a um dos mais acalorados debates políticos sobre o uso de bicicletas na cidade, num momento em que diversas metrópoles do mundo - inclusive São Paulo - buscam formas de melhorar a coexistência entre veículos de pedais e motorizados.
A reta final da campanha eleitoral londrina foi marcada por um encontro inédito dos quatro principais candidatos exclusivamente sobre ciclismo, pela troca de acusações entre os dois líderes nas pesquisas quanto a números de acidentes com ciclistas e por um protesto de ativistas pedindo mais segurança nas vias londrinas.
O uso das bicicletas é citado nos programas de governo dos principais candidatos: o atual prefeito conservador Boris Johnson promete ampliar ciclovias e o programa de aluguel de bicicletas públicas da cidade, mas aponta como prioridade o "fluxo do tráfego"; seu antecessor e principal concorrente, Ken Livingstone, diz que colocará a segurança de pedestres e ciclistas como a principal preocupação do órgão que coordena o transporte londrino.
O número de bicicletas nas ruas de Londres vem aumentando, algo incentivado por diversas razões: pedágios urbanos, que encarecem o uso dos carros no centro da cidade, o alto preço das passagens do transporte público, programas públicos de aluguel de bicicletas e as tradicionais preocupações com a boa forma e o meio ambiente.
Dados oficiais apontam que o uso de bicicletas em partes da cidade mais do que dobrou entre 2001 e 2010. Segundo o grupo cicloativista London Cycling Campaign, cerca de 540 mil viagens diárias são feitas sobre duas rodas na cidade - número significativo em uma metrópole de 8 milhões de habitantes.
A força desse grupo levou o jornal The Guardian a questionar, em seu blog sobre bicicletas, se estaria se formando um "voto ciclista" na política britânica.
"É um indicativo forte do lobby do ciclismo o fato de que, a 72 horas das eleições, os quatro principais candidatos - o prefeito Boris Johnson, Ken Livingstone, o liberal-democrata Brian Paddick e a verde Jenny Jones - tenham dedicado boa parte de sua tarde para um debate sobre as preocupações dos ciclistas", diz o site do jornal.
Além disso, no último dia 28, cerca de 10 mil manifestantes (número estimado pelos organizadores) fizeram um passeio pela cidade, para pressionar os candidatos à prefeitura a melhorar a segurança das vias para os ciclistas e seguir o exemplo da Holanda, país considerado referência europeia no uso de bicicletas.
Mortes nas ruas
Em comparação com metrópoles brasileiras, Londres é uma cidade bem adaptada ao uso das bicicletas. Muitas vias londrinas têm ciclofaixas, e muitos ciclistas só saem às ruas equipados com coletes coloridos e capacetes.
Ainda assim, a relação com os motoristas nem sempre é cordial - estes são acusados de agressividade na direção, mas alegam que os ciclistas comumente desrespeitam as regras de trânsito e furam sinais vermelhos. No ano passado, segundo o site pró-ciclismo RoadCC, 16 ciclistas morreram em acidentes em Londres em 2011. Três mortes ocorridas no final do ano desencadearam protestos pela segurança das vias.
A questão é familiar para quem convive com o trânsito de São Paulo - onde, segundo os dados mais recentes da CET, 49 ciclistas morreram em acidentes em 2010. É praticamente uma morte por semana.
'Go Dutch
"Não queremos o que acontece em São Paulo, onde vias (rápidas) de seis pistas inviabilizam o ciclismo", declarou à BBC Brasil o ativista Tom Bogdanowicz, do grupo London Cycling Campaign. "Queremos que o futuro prefeito se comprometa com uma Londres mais segura e habitável para ciclistas."
"No Brasil não há respeito ao ciclista. São considerados de classe inferior, porque o carro é sinônimo de status", opinou a brasileira Virginia Perrotti Machado, 29 anos, que mora em Londres há sete anos e também se tornou ativista do London Cycling Campaign. "Aqui, tenho uma bicicleta desde que cheguei, mas ainda me sinto insegura nas grandes vias e cruzamentos."
O grupo lançou a campanha "Go Dutch" ("Faça como os holandeses", em tradução livre), alegando que, em Amsterdã, entre 25% e 37% das jornadas diárias são feitas em bicicletas, contra 2,5% em Londres.
Os defensores do modelo holandês dizem que este inclui ciclovias separadas das pistas rápidas de rodovias, sinalização específica em cruzamentos e redução no limite de velocidade em vias menores.
Citando esses exemplos, a London Cycling Campaign pede que as novas ruas de Londres sejam desenhadas levando o ciclismo em consideração, que os cruzamentos sejam adequados às bicicletas e que haja políticas para harmonizar a convivência entre motoristas, pedestres e ciclistas, entre outras ideias.
Bogdanowicz diz que, de 12 ciclovias planejadas para a cidade britânica, quatro já implementadas foram consideradas inseguras e desconfortáveis pelos ciclistas. "Todos os candidatos concordaram com as nossas propostas, mas falar é fácil. Veremos se eles as cumprirão. Isso requer fundos e direcionamento político, (nos setores de) engenharia e transporte", afirmou.
Levantamento do Guardian mostra que o tema do uso de bicicletas é mencionado nos planos de governo dos principais partidos das eleições desta quinta, mas, em geral, apenas superficialmente.
Até mesmo o prefeito Boris Johnson, entusiasta do ciclismo e promotor de um sistema de aluguel de bicicletas públicas, é acusado de não se comprometer o suficiente com o tema em sua corrida por um segundo mandato.
Equação complexa
Por trás do debate existe uma dificuldade inerente em inserir as bicicletas na equação do trânsito de uma forma pacífica, opina o engenheiro de trânsito Ken Huddart, que nos anos 1980 comandou um projeto ciclístico oficial em Londres.
Segundo ele, até mesmo na Holanda andar de bicicleta ainda é mais perigoso do que andar de carro. "A exposição (das bicicletas) é constante. Em Londres, elas trafegam ao lado dos ônibus (à esquerda) porque é o único lugar onde podem ser colocadas", diz ele. "O esforço é para minimizar o risco, deslocá-las para vias menores e mais lentas, mas isso só funciona para quem está a passeio. Quem (está se deslocando ao trabalho) quer as rotas mais rápidas e curtas."
Foto: Divulgação/BBC Brasil